A taxa de suicídio entre médicos é conhecida por ser superior à do público em geral (Simon e Lumry, 1968; Center et al., 2003; Schernhammer e Colditz, 2004). Embora os estudos sobre saúde mental entre estudantes de medicina demonstram altos níveis de depressão, ansiedade e burnout, há menos estudos sobre saúde mental e suicídio (Dyrbye et al., 2011). Os estudos que tratam de suicídio e tentativas de suicídio entre médicos têm observado altos níveis de sofrimento psiquiátrico entre as vítimas (Gagné et al., 2011). A maioria das fontes de informação existentes sobre suicídios cometidos por médicos geralmente não possui informações corroborativas, que ajudariam a verificar o risco geral de suicídio na população de médicos, identificar fatores de risco concomitantes para a autolimitação e/ou descrever variáveis de saúde mental capazes de contribuir para a prevenção do suicídio entre médicos (Dyrbye et al., 2006).

Em 1991, Milan destacou as principais características do aluno de medicina com alto risco de suicídio: melhor desempenho escolar, pessoas mais exigentes; mais propensas a sofrer pressões; pouca tolerância a falhas; mais culpa pelo que não sabe; paralisado pelo medo de errar; ideias de abandono do curso; depressão e suicídio (Milan et al., 1991).

Recentemente, a atenção voltou-se mais uma vez para a saúde mental do estudante de medicina no Brasil. Em 2017, chamou atenção da mídia uma série de tentativas de suicídio entre alunos do quarto ano de Medicina da USP. No Centro Acadêmico Osvaldo Cruz (CAOC), a expressão escrita no porão (#Estamosjuntos) mobilizou estudantes e professores de uma das melhores faculdades do país. Ao menos seis casos de tentativas de suicídio foram registrados neste ano (março/abril de 2017). Houve grande apreensão e tristeza. Os relatos dos estudantes parecem crescentes em frequência e intensidade, e soam como um pedido de ajuda contra esgotamento, ansiedade, depressão, internações psiquiátricas, tentativas de suicídio e mortes, conforme escreveu o estudante do quarto ano da Faculdade de Medicina da USP, editor sênior da Revista de Medicina do Departamento Científico de tal universidade (Gameiro, 2017).

É necessário falar sobre a angústia dos alunos e as dificuldades em lidar com o assunto no ambiente acadêmico. O aluno fica mais vulnerável principalmente no quarto ano, porque as pressões se multiplicam e a realidade da profissão vai matando as ilusões dos tempos de calouro. Os alunos precisam ter a cabeça tranquila para estudar sobre diversas doenças, mas sentem um cansaço mental além da desumanização cotidiana. A vida universitária é apenas um coeficiente que necessita ser considerado entre os alunos de medicina, pois inúmeros fatores influenciam a decisão desesperada de pôr fim à própria vida (Meleiro, 2015).

Como medida de prevenção e promoção de saúde do estudante de Medicina da FMUSP, foi realizada, no período de 24 a 27 de abril de 2017, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, a Jornada do Estudante de Medicina: Saúde Mental em Foco (Jornada, 2017). Os temas abordados foram: a psicologia do estudante, o bem-estar emocional, o autodirecionamento e os conhecimentos de técnicas para manejo de estresse. Foram oferecidos, a partir de atividades práticas, mindfulness e meditação. Também houve atividades de psicoeducação sobre sintomas de humor, a importância do reconhecimento precoce desses quadros e subsídios para os alunos saberem quando procurar uma ajuda psiquiátrica e diminuir o estigma, além de palestra sobre aspectos psicológicos do bem-estar emocional do estudante de medicina.

O tema do suicídio entre estudantes de medicina tem sido abordado sistematicamente em vários periódicos científicos (Goldman et al., 2015). Apesar disso, percebe-se que o problema aumentou nos últimos anos em diversos países do mundo. Segundo pesquisas recentes, um em cada quatro alunos desse curso possui sintomas depressivos ou a própria doença. Isso representa uma incidência 4 a 5 vezes maior que a verificada na média da população para essa idade (Goldman et al., 2015). Entretanto o problema não é novo (Shaw et al., 2001). Nos dois primeiros meses do ano acadêmico de 2014/2015, dois estagiários da cidade de Nova York morreram em aparentes suicídios (Goldman et al., 2015). Em resposta, um estagiário da Faculdade de Medicina de Yale escreveu para o New York Times destacando a relação entre o treinamento médico e isolamento, depressão e suicídio entre estagiários. O New England Journal of Medicine, no mês de março de 2017 (http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1615141#t=article), publicou o caso de Kathryn, aluna do quarto ano de medicina da Universidade de Mount Sinai, em Nova York, que se matou em seu apartamento.

Entretanto, a preocupação vem crescendo nas últimas décadas (Lloyd e Gartrell, 1984; Frank et al., 2006), pois aumentou a percepção de que estudar e praticar medicina é muito estressante. A alta incidência de angústia e suas consequências entre médicos já podem ser percebidas naqueles que estão iniciando a escola médica, pela constatação de índices elevados de suicídio e uso abusivo de álcool e drogas. Muitos estudos relacionam tal angústia principalmente com a necessidade de assimilação de uma grande quantidade de informação, associada à ausência de tempo para atividades pessoais (Hawton et al., 2000). As principais fontes de estresse encontradas são: a quantidade de matéria, de provas e notas, e a ausência de tempo para lazer, família e amigos. Além disso, a mulher pode descobrir, no curso médico, um ambiente mais difícil para adaptar-se, sentindo-se mais inadequada e desenvolvendo menor autoestima.

Um grupo de pesquisadores da Universidade do Colorado afirma que as principais preocupações dos estudantes são a perda da liberdade pessoal, a excessiva pressão acadêmica e a percepção da desumanização (Edwards e Zimet, 1976).

Em 1984, uma pesquisa com 745 estudantes de medicina na Universidade do Texas, Houston, observou que os estudantes têm um nível consideravelmente maior de sintomas psiquiátricos do que a população geral, sendo considerados de intensidade leve para sintomas somáticos, moderados para sintomas de ansiedade e de depressão, e substancialmente elevados para sintomatologia obsessivo-compulsiva e que indique sensibilidade pessoal. O autor questiona problemas de personalidade pré-existentes desencadeados na escola médica, os quais podem refletir, em parte, a situação de sensibilidade às questões de desempenho, ansiedade que pode prejudicar as funções cognitivas e manifestar-se como indecisão, bloqueio e prejuízos de memória, principalmente diante da avaliação dos outros (Lloyd e Gartrell, 1984).

A educação médica pode ter efeitos negativos significativos sobre o bem-estar dos estudantes de medicina. Até nossos dias, os esforços para melhorar a saúde mental dos estudantes têm centrado, em grande parte, tanto na melhoria do acesso a prestadores de cuidados de saúde mental, reduzindo o estigma e outras barreiras ao tratamento, quanto em programas de bem-estar auxiliares. Ainda assim, modelos novos e inovadores baseados nesses esforços, abordando diretamente as causas de estresse relacionadas ao próprio currículo, são necessários para promover adequadamente o bem-estar dos alunos.

Slavin et al. (2014) apresentaram um novo paradigma para melhorar a saúde mental dos estudantes de medicina, descrevendo um programa de mudança curricular integrado, multifacetado e pré-clínico na Escola de Medicina da Universidade Saint Louis a partir do ano letivo 2009/2010. Os autores descobriram que, nos estudantes de medicina que participaram do programa de bem-estar expandido, mudanças significativas, mas eficientes, no conteúdo do curso, na programação, na avaliação, nas disciplinas eletivas, nas comunidades de aprendizado e nas experiências de resiliência/atenção mental necessária foram associadas a níveis significativamente mais baixos nos sintomas de depressão, ansiedade e estresse, bem como a níveis significativamente mais altos da coesão da comunidade, em comparação com os estudantes que os precederam. Os autores discutiram a utilidade e a relevância dessas mudanças curriculares como um componente negligenciado de modelos para melhorar a saúde mental do estudante de medicina (Slavin et al., 2014).

Nos EUA, foi estimado de forma confiável que, em média, até 400 médicos são perdidos para o suicídio a cada ano, o equivalente a pelo menos uma classe inteira da escola de medicina – aproximadamente um médico por dia (Shannon, 2013). Isso que significa que mais de um milhão de pacientes americanos perdem seu médico por suicídio a cada ano. Os médicos têm um menor risco de mortalidade por câncer e doenças cardíacas em relação à população em geral, o que está presumivelmente relacionado ao autocuidado e ao diagnóstico precoce. Infelizmente, eles têm um risco significativamente maior de morrer de suicídio, o que representa o estágio final de uma doença eminentemente tratável (Meleiro, 2015). Talvez seja ainda mais alarmante o fato de que, depos dos acidentes, o suicídio é a causa mais comum de morte entre os estudantes de medicina.

O treinamento médico envolve vários fatores de risco para doenças mentais como transição de papéis, privação de sono e perda de contatos sociais, o que resulta em menos sistemas de apoio disponíveis e em sentimentos de isolamento. Um conjunto substancial de provas tem demonstrado que em particular os formandos estão em alto risco de depressão e pensamentos suicidas, mas muitos programas de formação não foram capazes de identificar e fornecer tratamento para esses residentes e bolsistas de forma sistemática.

Em todas as populações, o suicídio é geralmente o resultado de depressão não tratada ou inadequadamente tratada, juntamente com o conhecimento e o acesso a meios letais (Hawton et al., 2011; Andrew e Brenner, 2016). A depressão é pelo menos tão comum na profissão médica como na população em geral, afetando cerca de 12% dos homens e 18% das mulheres. A doença é ainda mais comum em estudantes de medicina e residentes, com 15 a 30% tendo rastreio positivo para sintomas depressivos.

Na Inglaterra e no País de Gales, foi realizado um estudo de necropsia psicológica de 38 médicos que trabalhavam e morreram por suicídio no período entre janeiro de 1991 e dezembro de 1993 (Hawton et al., 2004). Os dados mostraram que a doença psiquiátrica esteve presente em 25 dos médicos (71,4%), sendo que a doença depressiva e o uso abusivo de drogas ou álcool foram os diagnósticos mais comuns. Vinte e cinco médicos tinham problemas significativos relacionados com o trabalho (71,4%), outros 14 tiveram problemas de relacionamento (40%) e 10 tinham problemas financeiros (20,8%). O método mais comum para morte foi autointoxicação, muitas vezes com medicamentos tomados do ambiente de trabalho. Os autores concluíram que prevenção do suicídio em médicos requer uma série de estratégias, incluindo a melhoria da gestão de transtorno psiquiátrico, medidas para reduzir o estresse ocupacional e restrição do acesso aos meios de suicídio quando os médicos estão deprimidos.

Em Quebec, no Canadá, foi realizado um estudo sobre o perfil psiquiátrico e as características dos médicos que se mataram entre 1992 e 2009 (Gagné et al., 2011). Trinta e seis médicos (7 mulheres e 29 homens) e 36 não médicos que cometeram suicídio foram pareados por idade e sexo e examinados em um projeto de controle de caso por dois psiquiatras forenses. Todos os diagnósticos de eixo I foram de 83% para os médicos e 91% para não médicos no momento do suicídio. Os distúrbios depressivos foram os mais frequentemente observados em ambos os grupos (61% e 56%, respectivamente). Os autores concluem que médicos e não médicos que cometeram suicídio em Quebec sofreram com o mesmo tipo de transtorno psiquiátrico no momento de se matar. Tais autores defenderam fortemente as medidas de prevenção de suicídio mais eficientes, incluindo a detecção precoce e o tratamento dos transtornos de humor para os médicos (Gagné et al., 2011).

O assunto suicídio é tabu, entretanto está presente na Bíblia: os suicídios do rei Saul, de Sansão e de Judas Iscariotes. Estudos mostram que a prática remonta à Grécia e à Roma antigas. O suicídio foi analisado por estudiosos como Marx, Durkheim, Freud, Nietzsche, Schopenhauer, Hume e Albert Camus. O tema apresenta-se de modo complexo e multifacetado, e pode ser analisado pelos vieses filosófico (o sentido da vida), biológico (o papel dos genes), social (contexto relacional amplo e restrito), psíquico (pulsões de vida e de morte, saúde mental), jurídico (quem tem o direito de escolher sobre a vida), religioso (a vida como presente divino) e cultural (um assunto proibido ou, no mínimo, de mau gosto).

O comportamento suicida é um fenômeno complexo, resultado de uma complexa equação composta por inúmeras variáveis genéticas, psicológicas, sociais e culturais.  Ele é considerado um grave problema de saúde pública, sendo responsável por cerca de 1.000.000 de mortes por ano em todo o mundo e por causar graves problemas nas esferas individual, familiar e pública (OMS, 2014). Profissionais da saúde não estão imunes a doenças e também precisam de ajuda, como qualquer outro ser humano.

Nossa classe deve tornar-se mais sensível às dificuldades existentes no tratamento de um médico enfermo, além de mais apta a reconhecer “o pedido de ajuda” de um colega ou de si mesmo, sem, contudo, deixar de zelar pelos interesses do público (Meleiro, 2015). A morte precoce de um médico é um desperdício de recurso humano.

Fonte: Genmedicina

Autor: Alexandrina Maria Augusto da Silva Meleiro

Doutora em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica Psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e Coordenadora da Comissão de Atenção à Saúde Mental do Médico da ABP.

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